Nosso senso de identidade depende da imagem que fazemos de nós mesmos e essa imagem depende, direta e totalmente, do que lembramos de nossas experiências. A memória pode – e deve – ser uma aliada de nosso crescimento e desenvolvimento humano, mas pode também ser a pedra no sapato que inibe nossa evolução nas picadas e trilhas, floresta adentro, mundo afora, privando-nos das aventuras que tornam a vida uma experiência significativa e realizadora.
O neurobiologista Eric Kandel, ganhador do Prêmio Nobel de 2000 por suas colaborações no estudo da memória humana, defendeu a importância dos conceitos de “habituação” e “sensibilização”. Como habituação ele se refere à “capacidade de aprender a ignorar um estímulo benigno que seja trivial e não informativo”. A sensibilização, ao contrário, é a “capacidade de modificar o comportamento quando o estímulo é aversivo”. Dois princípios simples e fundamentais que são bases para construirmos nossas memórias e, consequentemente, definirmos nossa personalidade. Ao entender melhor esses dois princípios poderemos estar mais atentos ao quanto de mecânico há em nosso comportamento e na idéia que fazemos de nós mesmos; entendê-los pode ser um primeiro e fundamental passo para escolhermos melhor nossos destinos, conquistarmos uma auto-imagem mais realista e também para atingirmos um melhor desempenho de nossa memória.
Explica o Dr Kandel que “quando escutamos um súbito estampido, como por exemplo, uma arma de brinquedo disparando em nossas costas, reflexos são postos de prontidão, diversas respostas neurovegetativas são desencadeadas em nosso corpo, o coração bate mais rapidamente, a respiração fica acelerada, as pupilas se dilatam e podemos ter a sensação de boca seca. Entretanto, se o ruído se repete, tais respostas diminuem de intensidade.” Essa diminuição é o que ele chama de habituação, uma experiência rotineira em nossas vidas. É dessa maneira que um operário pode, por exemplo, acostumar-se a trabalhar em uma fábrica barulhenta ou que podemos nos acostumar a viver no caos urbano, andar em avenidas barulhentas, cheias de ônibus que soltam fumaça e barulho, e continuarmos lendo um livro ou conversando, como se nada disso estivesse acontecendo. Assim, nos habituamos ao barulho de um relógio enquanto estudamos, à televisão ligada pela família na sala, às roupas que vestimos, de maneira que esses eventos raramente penetram em nossas consciências. Habituação então, em última análise, é “reconhecer e ignorar estímulos considerados sem importância”. Algo que fazemos constantemente.
Nossa inteligência e nossa memória dependem muito mais da quantidade de interconexões neuronais do que da quantidade de neurônios que possuímos. Na prática, o que acontece na habituação é que diminuímos a liberação de “pacotes” de neurotransmissores pelas células nervosas e, com isso, pela falta de uso, reduzimos a quantidade de dendritos e axônios – os terminais nervosos que fazem a sinapse entre as células nervosas – de nossos neurônios. É dessa maneira que o gato de armazém se torna manso. Mas também, com os reflexos prejudicados. Pela habituação continuada, um neurônio pode diminuir drasticamente o número de terminais nervosos de comunicação com outras células. Podemos chegar a uma diminuição de oitenta por cento de inter-comunicadores neuronais. Isso não é pouco. É uma maneira de estar um pouco morto, no fundo, para evitar a dor.
A habituação é um processo necessário para escolhermos, inconscientemente, a qual estímulo voltar nossa atenção, mas à medida em que ela se torna permanente, pode nos alienar da vida e do crescimento pessoal. Quantos de nós conhecem a experiência de dirigir de casa até o trabalho sem perceber a que horas passou da segunda para a terceira marcha, ou quando passou por determinada rua? Quanto de automatismo existe em nosso cotidiano? Que preço pagamos por isso hoje e que preço pagaremos no futuro? Existe alguma maneira de continuar usufruindo dos benefícios da habituação sem perder os reflexos e sem diminuir o potencial de comunicação entre os neurônios? Para verificar isso, é necessário entender que modificações moleculares acontecem dentro da célula na habituação e como restaurar o estado anterior quando essa habituação não for mais necessária ou proveitosa. É questão de sobrevivência do operário para que possa trabalhar no meio do barulho da fábrica, mas será uma pena se, ao chegar em casa, ele permanecer surdo e indiferente aos sussurros amorosos de sua esposa por exemplo, se ele se tornar ausente das questões mais sensíveis e afetivas de sua família.
Uma boa maneira de retornar a química interna da célula à sua composição original é certamente a meditação. Isso sempre foi sabido empiricamente, mas recentemente, tem sido demonstrado de maneira científica em inúmeros experimentos. Hoje em dia, pode-se monitorar e medir que mudanças moleculares acontecem dentro de uma célula cerebral durante a meditação. As conclusões têm sido de que a meditação recupera o estado de alerta da pessoa, sem que esse estado de alerta signifique o stress de que a habituação pretendia nos proteger.
A revista Psychiatry Research, por exemplo, publicou um estudo recente sobre como a meditação afeta o cérebro. A partir de uma experiência de oito semanas no Hospital Central de Massachussetts com meditantes inexperientes e iniciantes, foram observadas alterações consideráveis em determinadas regiões cerebrais, relacionadas com a memória, com a autoconsciência, com a empatia e com o estresse. Todas as transformações registradas foram consideradas benéficas à saúde física e mental.
Na pesquisa, notou-se que “apesar do pequeno tempo de meditação pela manhã, podia-se observar benefícios cognitivos e psicológicos que persistiam pelo dia inteiro. A partir de medições com imagens de ressonância magnética no cérebro, foram identificadas alterações na estrutura cerebral dos participantes. Respostas a um questionário assinalavam melhorias significativas, comparativamente às semanas anteriores. A análise das imagens por ressonância magnética mostrou uma evolução na massa cinzenta, localizada no hipocampo, zona cerebral implicada na aprendizagem, memória, estruturas associadas à autoconsciência, compaixão e introspecção.”
“Verificaram ainda uma diminuição da massa cinzenta na amígdala cerebral, o conjunto de núcleos neuronais nos lobos temporais, relacionados com a diminuição do stresse. Contudo, nenhuma destas alterações foi observada no grupo de voluntários que não praticaram meditação. Segundo o grupo de investigação, os resultados mostram a plasticidade do cérebro e como, mediante a meditação, este se molda e altera, de forma a aumentar o bem-estar e a qualidade de vida.“ Em meditantes antigos, já havia sido percebido pelos pesquisadores algo ainda mais impressionante: “mudanças significativas na espessura do córtex cerebral, especialmente nas áreas ligadas à atenção e à integração emocional.”
Tenho percebido na prática esses benefícios. Em meus cursos de memória e meditação podemos verificar que um exercício de memorização após uma meditação tem seu efeito e potencialidade aumentados de maneira significativa, mas que antes disso, a simples meditação já é o suficiente para reverter processos de perda de memória por idade. A meditação, esse milenar conhecimento da Índia, tem sido considerado uma resposta eficiente para males modernos como o estresse, déficit de atenção, dificuldade de aprendizado e de retenção de informações. Uma única resposta para muitas perguntas, uma resposta antiga para perguntas recentes, como se a solução estivesse o tempo todo boiando em baixo de nossos narizes e estivéssemos feito tontos procurando no ar. Que bom que há resposta!
Por Paulo Tornaghi - http://pedrotornaghi.com.br/blogger/?page_id=1233
Maravilhoso conteudo meu querido Paulo Tornaghi ...minha admiração
By Gislaine@
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